sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Bens culturais das seções III e IV – zona rural de Três Marias

As seções III e IV são formadas pelas áreas da zona rural de Três Marias, sendo que a seção III remete as comunidades das Pedras, Silga e Forquilha dos Cabral e a seção IV trata dos bens existentes dentro de fazendas e sítios que encontram-se dispersos por todo sertão trimariense.

No total, foram feitas 76 fichas de inventário de bens culturais existentes nestas duas seções, sendo que 16 pertencem a seção III e 60 a seção IV. Destes bens, 69 foram autorizados a serem divulgados. Buscando facilitar a compreensão destes bens, reagrupamos os bens destas seções em 07 conjuntos que foram delineados pela categoria e localização destes bens.

Estes conjuntos são:
1)    Capelas e imagens inventariadas na zona rural de Três Marias 
2)  Bens culturais imóveis dos povoados das Pedras, Silga e Forquilha dos Cabral
3)    Sedes de fazendas da zona rural de Três Marias
4)    Bens móveis e integrados da zona rural de Três Marias
5)    Veredas da zona rural de Três Marias
6)    Outros sítios naturais da zona rural de Três Marias
7)    Bens imateriais da zona rural de Três Marias






quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Seção III e IV – Capelas e imagens inventariadas na zona rural de Três Marias

No grupo que se segue, reunimos todas as capelas inventariadas e autorizadas para divulgação nas seções III e IV, sendo no total cinco templos. Três destes imóveis estão situados dentro dos povoados das Pedras, Silga e Forquilha dos Cabral, um próximo da comunidade da Silga e outro dentro da fazenda da Tolda.

Inseridas na seção de inventário III, encontram-se as Capelas de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Povoado das Pedras), a Capela de Nossa Senhora Aparecida (Povoado da Silga) e Capela de Nossa Senhora da Conceição e São Geraldo (Povoado de Forquilha dos Cabral). Estes imóveis foram inventariados no ano de 2007 e representam bens arquitetônicos de grande importância simbólica e afetiva dentro das comunidades, sendo vistos como centros irradiadores da ocupação e da história destes povoados.

Através das pesquisas realizadas para o inventário, verifica-se que a mais antiga destas capelas é a de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, construída em 1967. Ao passo que as outras duas capelas citadas foram construídas na década de 1990. Especificamente sobre a Capela de Nossa Senhora da Conceição e São Geraldo, sabe-se que a primeira capela do povoado foi feita na década de 1930, mas que este antigo templo passou por várias reformas até ser totalmente demolida e reconstruída da forma como hoje se encontra. Os processos para construção, reforma e constituição do patrimônio destas capelas é bastante similar e envolve doações, realizações de eventos para arrecadar fundos, entre outras ações que mostram que estes templos são resultados de uma ação coletiva que mobiliza os moradores locais em torno da promoção da religiosidade católica.

As outras duas capelas possuem características bem diferenciadas das relacionadas acima, pois são imóveis bem pequenos que seguem traços tradicionais, tal como o emprego de peças de madeira em sua estrutura. Uma destas capelas encontrava-se em ruína quando foi inventariada, sendo ela a antiga Capela de Manuelzão que foi totalmente reconstruída pouco tempo depois da realização do inventário. É importante relatar que a motivação para realização desta obra está, em grande parte, ligada à consolidação da Semana Cultura Festa de Manuelzão, uma festa literária que teve como motivação inicial a promoção em âmbito local e regional da literatura sertaneja de Guimarães Rosa.

O outro templo inventariado na zona rural de Três Marias é a Capela da Tolda. Erigida provavelmente em 1953/1954 por Thieres de Souza Vieira, proprietário da Fazenda São José, esta Capela tem uma história eminentemente familiar, sendo construída no entorno de cemitério implantado para abrigar os falecidos da família Souza Vieira.

Além das capelas apresentadas, inserimos neste grupo três imagens sacras que foram inventariadas nas seções 3 e 4. A primeira delas é a Imagem de São Geraldo que pertence à Capela de Nossa Senhora da Conceição e São Geraldo do Povoado de Forquilha dos Cabral. Esta imagem foi inventariada em 2007 e, segundo os levantamentos realizados na época, seria a única imagem do acervo da primeira capela que ali existia, tendo chegado ao povoado na década de 1930. Confeccionada em gesso, esta imagem se encontrava em bom estado de conservação no momento do inventário.

As outras duas imagens inventariadas fazem parte do acervo da Capela da Tolda e possuem trajetórias bastante diferentes. Inventariada em 2010, a imagem de Nossa Senhora da Abadia seria  procedente de um templo que foi construído na década de 1970 na comunidade da Tolda por devoção a esta santa, frequentemente evocada em comunidades onde existe a exploração do garimpo. No entanto, em princípios da década de 1980, parte do território da comunidade, incluindo a área que abrigava a Capela, foi adquirida pela empresa Gerdau que ali implantou projetos de silvicultura de eucalipto e, em pouco tempo, demoliu a capela. O acervo pertencente a mesma foi transferido para a atual Capela da Tolda que passou a contar também com a imagem de Nossa Senhora da Abadia em seu altar.

Já, a imagem de São Geraldo, inventariada em 2010 como parte do acervo da Capela da Tolda, seria uma das imagens originais que foram adquiridas no momento da construção do templo, na década de 1950. A escolha de São Geraldo como principal devoção da Capela estaria associada a uma homenagem a Geraldo de Souza Vieira que fora a primeira pessoa a ser sepultado no cemitério construída na Fazenda São José e que antecedeu a construção da própria Capela. 









quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Seção III - Bens imóveis dos povoados das Pedras, Silga e Forquilha dos Cabral

Desenvolvido no ano de 2007, o inventário da Seção III compreendeu 16 bens culturais existentes nos povoados das Pedras, Silga e Forquilha dos Cabral. No grupo apresentado a seguir, reunimos 08 bens residenciais e uma escola que foram autorizadas pelos seus responsáveis a serem divulgadas nesta publicação.

Cinco destes bens estão no povoado das Pedras. Segundo as pesquisa feitas para o inventário, nenhum deles foi construído antes da 1960, o que nos oferece um indício que  este período foi marcante para a formação ou consolidação do povoado. Deve-se notar que este processo ocorreu de maneira concomitante ao desenvolvimento dos grandes empreendimentos industriais na região algo que poderia ser explorado em pesquisas futuras.

Um dos cinco bens inventariados é a antiga sede da Escola Municipal Olavo Bilac, construída em 1967, na administração do então prefeito Adão de Almeida e Silva. Segundo o inventário, a construção da escola é mais uma evidência da consolidação desta comunidade no final da década de 1960. Posteriormente, outra edificação, de maior dimensão, foi construída para abrigar a escola local, no entanto, a primeira edificação foi preservada e pode ser visitada até os dias de hoje.

Os outros bens inventariados são a Fazenda das Pedras e as residências do Sr. Gumercindo, Sr. Antônio Macedo e uma residência que se encontrava desocupada no momento do inventário. Os apontamentos feitos no inventário nos levam a crer que a mais antiga delas é o imóvel designado como “residência desocupada”, que fora construída em 1962 e que seria a casa mais antiga do povoado.

No povoado da Silga, além dos templos católicos que se encontram em outro item desta publicação, foi feito o inventário da residência do Sr. Francisco Sales Costa. Segundo inventário, este  seria um bem imóvel com  características estilístico arquitetônicas originais representativas do povoado de Silga. No entanto, durante as pesquisas não foi possível apurar informações precisas sobre a data da construção desta edificação.

Finalmente, no povoado de Forquilha dos Cabral, obtivemos autorização para divulgar o inventário dos imóveis designados como: “Residência da Sra. Euzita”, “Residência de Dona Maria Anita Bezerra” e “Residência de Dona Maria da Conceição Silva”. A história destes bens nos mostra que, provavelmente, o povoado de Forquilha dos Cabral é mais antigo que o povoado das Pedras e da Silga. A residência de Dona Euzita é uma evidência disto, uma vez que este imóvel teria sido edificado na década e 1910, sendo uma dos mais antigos do povoado.


Os dados presentes nas fichas de inventário dos outros dois bens citados não nos possibilitam inferir hipóteses sobre a época de sua construção, mas mostram que ambas foram inicialmente feitas de palha e, posteriormente, passaram por reformas ganhando paredes de adobe.










terça-feira, 28 de outubro de 2014

Seção IV – Sedes de fazendas da zona rural de Três Marias

O grupo que  se segue trata especificamente de 18  bens imóveis de uso residencial que foram inventariados nas regiões abrangidas pelo Ribeirão do Boi, Extrema, Rio São Francisco, Espírito do Santo e Guará. Entre os imóveis inventariados, obtivemos autorização para divulgar as 18 edificações identificadas nas fichas sínteses.
Cada uma destas antigas residências nos revela diferentes aspectos sociais, econômicos e rurais da história local e regional. Agrupadas, elas indicam que desde o século XVIII até o século XX houve um espécie de vazio demográfico na região. Ou seja, a região era dominada propriedade muito grande ocupada por poucos habitantes. Pertencentes ao enorme território que compreendia o antigo distrito de Andrequicé até 1962, toda esta região era conhecida pelos sertanejos como os “gerais”; um ambiente despovoado, de difícil acesso e com terras consideradas ruins para a agricultura.
Neste sentido, as pesquisas realizadas para produção do inventário mostraram que a pecuária extensiva e o comércio de gado predominaram como os pilares das atividades econômicas desde o século XVIII até meados do século XX. Apesar disto, a diversidade produtiva das fazendas da região não deve ser ignorada, uma vez que a agricultura de subsistência ditou boa parte dos saberes tradicionais que foram identificados durante as pesquisas.

Um exemplo disto é a sede da Fazenda Mangaba que ganhou notoriedade por ter sido o local onde nasceu Carlos Alberto Ribeiro, que se tornaria o famoso sanfoneiro “Mangabinha”, membro do Trio Parada Dura. Conta-se que tanto o apelido do sanfoneiro quanto o nome da fazenda são provenientes de seu avó João Mangaba, conhecido na região por trabalhar com a retirada e processamento do leite de mangabeira para a produção de borracha. Documentos encontrados durante a realização das pesquisas reforçam esta informação indicando que, no início do século XX, a produção de mangaba era a maior riqueza natural da região.

No entanto, o saber relacionado à produção da borracha de mangaba, assim como as próprias mangabeiras, se tornaram cada vez mais raras com o avançar do século XX. Podemos inclusive afirmar que diversos outros saberes e fazeres tradicionais que faziam parte do cotidiano e da identidade cultural da população local até a década de 60 foram empurrados para o esquecimento a partir da construção da Barragem de Três Marias no Rio São Francisco, da implantação da rodovia BR- 040 e do desenvolvimento de um impactante processo de alteração da estrutura fundiária, dos modelos de produção agropecuária e de expansão da monocultura do eucalipto.

Este processo, no entanto, deixou preservado diversos vestígios do passado, sendo que boa parte deles é representado pelas antigas sedes de fazendas que foram inventariadas na seção IV. Entre as dezoito sedes de fazenda que constam da lista abaixo, todos possuem apenas um pavimento e a maior parte preserva sua estrutura original de madeira. Muitas já sofreram intervenções, sendo que na maior parte delas não foi possível identificar a época exata de sua construção.

Algumas delas apresentam a peculiar característica de terem sido construídas a partir de estruturas de madeira provenientes de outras fazendas, ou seja, são bens arquitetônicos que foram desmontados e reconstruídos nos locais onde foram feitos os inventários. Estes são os casos das Fazendas Jaguatirica, Cabeceira do Mato, Cabeceira das Pedras e da antiga Fazenda da Onça. Por outro lado, na Fazenda do Cercado, vê-se o movimento inverso, na qual duas edificações que faziam parte de seu patrimônio foram desmontadas e tiveram seu “madeirame” comercializado para outros locais ainda não identificados.

Esta movimentação de estruturas de madeiras, nos faz questionar até mesmo a pertinência de identificarmos estes bens como “imóveis”, foi em parte motivada pela formação da barragem e inundação de uma enorme área para constituição da represa de Três Marias. No entanto, encontramos entre os casos citados, exemplos de edificações construídas a partir de “madeirames” comercializados bem antes da implantação da represa, o que sugere que este foi um âmbito regional anterior à construção da barragem, mas que ganhou força com o advento da represa.

Ao longo do inventário, identificou-se também que a maior parte das fazendas foram construídas na primeira metade do século XX e que não existe na região nenhuma sede de fazenda anterior ao século XIX. Ainda assim, muitas delas adotam características típicas do estilo colonial que foi preservado por muitos anos nos sertões mineiros.


Duas das fazendas destacam-se por terem relação direta com a trilha literária criada a partir da obra de Guimarães Rosa. A fazenda Santa Catarina é citada no romance “Grande Sertão: Veredas” como local onde morava  Otacília, “moça que dava amor” ao narrador Riobaldo. Já a fazenda da Tolda, também conhecida como  Fazenda São José, teria servido de pouso para o escritor durante sua jornada pelo sertão em 1952.



















segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Seção IV - Veredas da zona rural de Três Marias

Ao longo do IPAC foram inventariadas 10 veredas no município de Três Marias, um encontra-se na seção I e já foi apresentada nesta publicação. Passaremos agora para as nove veredas delineadas na seção IV, inventariadas no ano de 2009.

Antes de apresentarmos as imagens de cada uma delas, é importante indicar que as veredas são sítios naturais de enorme interesse ambiental e cultural para os povos sertanejos. Em um período de crise hídrica, as veredas despontam como um ecossistema privilegiado, capaz de “produzir água”. No entanto, para manter esta condição, é preciso que elas estejam cercadas pelos cerrados que preservam sua área de recarga (infiltração). 

O ecossistema das veredas tem presença marcante no vale do São Francisco, onde constitui nascentes de vários afluentes do Rio São Francisco: estima-se que 80% das cabeceiras perenes da margem esquerda deste rio encontram-se nas veredas. Neste sentido, sua importância na formação e manutenção dos recursos hídricos mineiros é incontestável. Além disto, as veredas resguardam inestimável interesse ecológico e paisagístico, sendo essenciais para o entendimento da cultura e do desenvolvimento sócio-ambiental do sertão. 

Mesmo com toda esta importância, as veredas ainda formam um ecossistema pouco conhecido e fragilizado. Na realidade, poucos municípios possuem levantamentos cartográficos de suas veredas, sendo menor ainda o número de Prefeituras que desenvolveu estudos de identificação de sua flora, fauna e dos usos antrópicos que expõe as veredas aos processos destrutivos.

Dada esta realidade, acreditamos que o inventário desenvolvido sobre as veredas em Três Marias é um estudo pioneiro se pensarmos ações de âmbito municipal. Nele, encontramos mapas, fotos e descrições detalhadas das veredas consideradas mais significativas durante o processo de realização do inventário. Entre as nove veredas da seção III, destacaremos três neste texto, mas recomendamos a leitura completa das fichas completas de todas as veredas inventariadas. 

A primeira das veredas que destacaremos é a Vereda Ponte Firme, que apresentou durante as pesquisas a singularidade de estar localizada no caminho percorrido por João Guimarães Rosa, sendo sua passagem molhada pertencente ao antigo caminho das boiadas usado em 1952 pelo escritor. Esta viagem de Guimarães Rosa, sob o lombo de um cavalo, compreende a origem do clássico "Grande Sertão: Veredas" além de ser fonte de inspiração para elaboração de outras obras. A vereda Ponte Firme teve seu destaque reconhecido, ao ser declarada pelo Decreto Municipal n° 1.403 de 2006, como patrimônio natural, cultural e histórico de Três Marias. 

Outra vereda de destaque é a vereda Tolda que se situa no alto curso do córrego Tolda onde o ambiente proporciona o aparecimento de veredas nas áreas rebaixadas de vales suaves. A vereda da Tolda é constituída de quatro “galhos” (braços) principais, estando três destes situados a montante de uma barragem artificial identificada durante o inventário. Assim como a vereda Ponte Firme, a vereda da Tolda apresenta destaque cultural por também estar localizada no caminho percorrido por João Guimarães Rosa, em 1952 e por ter sido protegida. Na época do inventário, o entorno da vereda da Tolda estava dominado pela silvicultura que ocupa as áreas aplainadas acima da cota de 760 metros. 

De modo geral, nas veredas os buritizais ocorrem de forma pontual na paisagem das chapadas, em áreas com encharcamento do solo, geralmente próxima às cabeceiras dos cursos d'água. À medida que a drenagem vai se definindo através da formação de um córrego, a área vai sendo colonizada por espécies arbóreas e apresentando as características de mata ciliar, onde os buritis adultos se misturam às árvores e vão raleando em direção a jusante. Na vereda da Tolda esta sucessão é marcante sendo verificada uma maior quantidade de buritis nas áreas de montante sendo estes substituídos gradualmente por mata ciliar, dominante no ponto de encontro do córrego Tolda com o Rio Espírito Santo.

Conforme informações coletadas junto aos membros da família Teles de Menezes, que habitaram a área da vereda da Tolda por 26 anos, entre as décadas de 1950 e 1970, atualmente “tudo está diferente”. Eles relatam que, no passado, a água era abundante e podia-se pescar e nadar. Estes depoimentos mostraram também que muito era aproveitado da vereda. Casas eram construídas com elementos das veredas, com a palha servindo de caibro e o cipó de ripa, com a casca do buriti se fazia colher, a madeira do buriti virava bancos para assentar, vara de ferrão para tocar gado, rolha para tampar garrafa, bainha de faca para transportar no embornal (bolsa). Da madeira se fazia ainda cavaquinho de buriti com duas cordas de náilon. Cortado ao meio, o tronco, servia de bica d’água para alimentar o monjolo da casa da família na Tolda. Com a “seda do olho” do buriti, película que recobre o broto, se tecia rede, peneira e cesto de neném. A madeira também servia de base para os brinquedos das crianças. Outras plantas que integram o ecossistema ribeirinho da vereda eram então usadas pela família e pelos moradores locais para os mais diversos fins. Da samambaia se fazia xaxim; da vassourinha, vassoura de varrer fogão. A madeira da embaúba servia para fazer jangada por apresentar boa flutuabilidade. Da macela encontrada na beira da vereda se fazia chá para estômago e do capim-trança chá para gripe. O capim-pubo, natural da vereda, era usado para encher colchão por ser muito macio, silencioso e não dar alergia. O saboroso palmito era tirado da cabeça do buriti, sendo que a palmeira pequena dava um palmito amargo. Do tronco do buriti era extraída a seiva  ou o vinho de buriti. A terra escura do entorno da vereda era ideal para o plantio de arroz, mandioca e abóbora d’água. 

Além de todos estes usos antrópicos, pelos relatos coletados em 2009, pode-se dizer que as veredas funcionavam como "corredores faunísticos" entre os ambientes florestais e diferentes ambientes de cerrado. Alguns dos animais citados durante as pesquisas sobre a vereda da Tolda foram: pássaro-preto, sabiá-laranjeira, inhambu, codorna, perdiz, pato selvagem, alma-de-gato, caburé (coruja), corujão de orelha, mãe-da-lua, tucano, arara-azul, pomba trocal (verdadeira), jacu, saracura, ema, perdiz, teiú, jaracuçu e muitas outras cobras, cutia, veado catingueiro, veado campeiro, tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim, tatu canastra, lobo-guará, mão-pelada, tatu-peba, tatu-bola, entre outros. Atualmente são comuns apenas algumas espécies de aves e representantes da herpetofauna, sendo rara a ocorrência de mamíferos.

Finalmente, destacaremos a vereda São José que aparece mapeada na carta topográfica de Três Marias com extensão de 4.200 metros. Assim como as outras, também estava no caminho percorrido por João Guimarães Rosa e fora reconhecida como patrimônio cultural através do Decreto Municipal n° 1.403 de 2006, como patrimônio natural, cultural e histórico de Três Marias. Segundo os levantamentos realizados no inventário, esta vereda foi a considerada a mais bonita de todo caminho percorrido por Rosa em 1952.

Este bem cultural tem sua nascente na fazenda Santa Catarina onde se constitui de dois braços principais, ambos contendo o ecossistema de vereda. Em 2009, foi identificada que a Vereda São José era represada para alimentar um pivô central que irrigava o plantio de sementes de milho e feijão. Naquele momento, também foi identificado que, de modo geral, o entorno da vereda na fazenda Santa Catarina estava muito alterado e desmatado. Verificava-se também que o plantio de eucalipto dominava a margem esquerda e os locais mais elevados dos Gerais, onde se encontra a área de recarga da vereda São José. Já, na margem direita, o plantio de milho e feijão irrigado prevalecia.

À jusante da área da fazenda Santa Catarina o leito principal da vereda São José é transposto por um caminho conhecido como “passagem molhada” onde cascalhos e pedras foram colocados para permitir a passagem de carro e uma pinguela foi feita para garantir a passagem a pé. Neste ponto, a vereda São José configura uma vereda típica onde ocorre a dominância de buritis com alturas e portes variáveis denotando a presença de indivíduos de diferentes idades.

Além destas veredas, foram inseridas neste grupo as Veredas: Canindé, Baeta, Minhoca, Pindaíba, Tigre e São Miguel. Como dito, recomendamos a leitura completa das fichas completas de todas veredas inventariadas, pois nela encontramos mapas, fotos e descrições detalhadas de grande interesse para pesquisadores e leigos. 












sábado, 25 de outubro de 2014

Seção IV - Outros sítios naturais da zona rural de Três Marias

Ao longo da realização do IPAC, diversos sítios naturais de interesse cultural ganharam importância destacada nas pesquisas. Na seção IV, além das Veredas apresentadas nesta publicação, foram feitas cinco fichas de inventário que mostram diferentes tipos de interesse cultural sobre os bens naturais. Quatro fichas estão ligadas ao tema dos caminhos dos sertões trimarienses e uma ficha identificou um bem que pode ser considerado fundamental para um saber tradicional popular do sertão.

As quatro fichas que fazem referência aos caminhos do sertão tem ligação direta com as águas que cruzam o município, sendo duas passagens e dois portos. 

As passagens se referem a locais onde os cursos d’água fazem um vau para estradas de rodagem ou de cavaleiros. Estes locais formam belas paisagens cênicas especialmente no período de seca quando o leito dos ribeirões fica aparente e os caminhos ganham maior evidência. Estes sítios foram identificados como “Passagem da Picada” e “Lajeado”. A “Passagem da Picada” representa o ponto de transposição do Ribeirão do Boi por três acessos vicinais que percorrem parte da área rural de Três Marias e aí se encontram. Já, o “Lajeado” é um sítio natural onde se vislumbra o leito rochoso do Ribeirão das Pedras. Este curso d’água, cuja nascente se encontra a 2Km de distância do Lajeado, é um dos afluentes do Rio São Francisco que está a 15Km.

Os portos, por sua vez, representam lugares onde só se poderia cruzar o curso d’água através de um barco, canoa ou meio similar. Os portos inventariados no IPAC foram o Porto do Pontal do Abaeté e o Porto da Barra do Rio de Janeiro. Ambos são significativos para a história local e regional, especialmente antes da implantação da BR-040. 

O Porto do Pontal do Abaeté era muito empregado para o transporte de pessoas e mercadorias que vinham de Pirapora. Implantado na sede da Fazenda Porto do Pontal, este Porto dava suporte às trocas comerciais entre os municípios de Pirapora, Curvelo e Corinto. Por ali chegavam barcos com carne de boi e peixe que eram descarregados e conservados em um frigorífico que foi desativado em princípios da década de 1960. 

O Porto da Barra do Rio de Janeiro também foi muito utilizado para o transporte de pessoas e mercadorias, sendo que ele era local de comércio de mantimentos como arroz, feijão e carne de porco que eram descarregados e seguiam o resto do percurso em lombos de animais. Local destacado na obra de Guimarães Rosa, o Porto na Barra do Rio de Janeiro inspirou uma das mais importantes passagens da literatura brasileira. Trata-se do primeiro encontro entre os personagens Riobaldo e Diadorim na obra Grande Sertão: Veredas, o que projeta sua importância para a história da cultura nacional.

A última ficha que compõe os sítios naturais inventariados nesta seção refere-se a uma nascente de água onde se encontra um material amplamente conhecido nos sertões como tabatinga. A palavra Tabatinga deriva do tupi ´taba´ de casa e ´tinga´ de branca. Assim, a tabatinga compreende o nome popular de uma argila esbranquiçada formada pelo mineral Montmorilorita utilizada como matéria-prima para diversos fazeres tradicionais. Com elevado teor de matéria orgânica, esta argila é típica de solos de várzea, brejos ou locais com água permanente, no presente ou no passado. A área do sítio natural inventariado se insere no entorno do córrego do Salto, na região de sua cabeceira. Neste local, antigos moradores da região retiravam a argila “tabatinga” para fazer vasos, barrear fogões à lenha, revestir paredes, “curar feijão” entre outros fazeres.